[Indicação] Livro - Contos de Amor Rasgados - Marina Colasanti
Créditos a foto: Piu Dip |
Marina Colasanti (81 anos) é uma escritora, jornalista e também tradutora, nasceu em 26 de setembro de 1937 na Eritreia - Itália, posteriormente muda-se para o Brasil junto com a sua família. Naturalizada brasileira, Colasanti tornou-se uma das escritoras brasileiras mais premiadas. Como escritora publicou mais de 40 livros, lança o primeiro deles no ano de 1968, intitulado Eu, sozinha, daí não parou mais, escritora muito versátil que é, navegou entre poesia, contos, crônicas, prosas e literatura infanto-juvenil. Lançou obras como “A morada do ser” (1978), “Doze reis e a moça do labirinto” (1978), “intimidade pública” (1990) “A moça tecelã” (2004). Por seu vasto legado literário, ganhou inúmeros prêmios, tais como Jabuti e o melhor livro do ano por diversas vezes.
Capa do livro - Editora Rocco |
Aqui eu deixo como dica para vocês o livro “Contos de Amor rasgado” (1986), ele é destinado para o seu público mais adulto. Escrito e publicado nos anos finais da Ditadura Militar no Brasil, a autora expõe aos seus leitores as características mais peculiares da alma feminina e o universo das relações humanas. Imersos nesse ambiente e associado a um estilo intimista, temas como remorso, solidão, términos e amores dolorosos, nos revelam quão frágil pode ser as relações humanas.
Prova de amor
“Meu bem, deixa crescer a barba para me agradar”, pediu ele.
E ela, num supremo esforço de amor, começou a fiar de dentro de si, e a laboriosamente expelir aqueles novos pêlos, que na pele fechada feriam o caminho.
Mas quando, afinal, doce barba cobriu-lhe o rosto, e com orgulho expectante entregou a sua estranheza àquele homem: “Você não é mais a mesma”, disse ele.E se foi. (Marina Colasanti p.165).
Com uma linguagem simples e de fácil leitura, com a qual a autora brinca com as palavras, revelando uma atmosfera mais descontraída, não perdendo a leveza que é recorrente na sua escrita. Os contos mostrados no livro são curtos e nos trazem inquietações muitos profundas. O livro também possui uma poética rechegada em erotismo e dado ao período em que foi lançado, podemos perceber no discurso dele o tom de empoderamento feminino e uma forma de resistência à repressão sexual e ideológica que eram sofridas pelas mulheres na época. E assim, deixo para vocês uma excelente oportunidade para que conheçam um pouco mais dessa escritora fenomenal.
Até que a palavra fosse possível
Brigavam, se digladiavam, sofriam. E ainda assim se queriam. Razão pela qual decidiram viver em separação de corpos.
Da estrutura aparentemente compacta de carne, osso, músculos trançados na elasticidade da pele, separaram um a um os sentimentos, embora alguns, entretecidos nas fibras como invisíveis ligaduras daquele palpitar, parecessem indispensáveis para a sustentação do todo. Mesmo esses, com firmeza de bisturi foram retirados, amputando-se também aquelas partes do sentir mais entranhadas, cujos limites já não se distinguiam, afogados em sangue.
Por fim, livres de tudo o que lhes provocava atrito e desencontro, deitaram-se lavados sobre a mesma cama, brancos corpos possuindo-se sem nenhuma pergunta. E sem qualquer perigo de resposta. (Marina Colasanti p.67).
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