[Resenha] Olhos D'água - Conceição Evaristo
Capa do Livro - Aron Balmas |
É um livro de contos da escritora Conceição Evaristo que em 2015 venceu o Prêmio Jabuti na categoria do mesmo gênero textual que foi escrito. “Olhos D’água” é título do livro, e também da primeira história contida nele, apresenta várias narrativas curtas, e com exceção da primeira, todas as outras são narrados em terceira pessoa. Ao longo dos quinze contos que compõe a obra, temos como personagens: mulheres, mães, avós, ex-prostitutas, crianças, amantes, bandidos, todas (o) negras (o). Aqui, ela apresenta como temática principal a condição social vivida pela população afro-brasileira, retratando os seus dilemas, amores, questões existenciais, enfim, toda a pluralidade de emoções e sentimentos que nos definem como humanos.
Outro fato importante e que se destaca na obra, é a presença marcante da cultura Banto e Iorubá, que podem ser percebidas principalmente na escolha dos nomes de seus personagens.
O tempo narrado nos contos é o tempo presente, trazendo em determinados momentos memórias passadas e em algumas situações questionamento sobre o futuro. São histórias belíssimas, a escritora mineira consegue passear por diversos ambientes, expondo de forma leve as mais diversas situações da vida cotidiana.
Outro fato importante e que se destaca na obra, é a presença marcante da cultura Banto e Iorubá, que podem ser percebidas principalmente na escolha dos nomes de seus personagens.
O tempo narrado nos contos é o tempo presente, trazendo em determinados momentos memórias passadas e em algumas situações questionamento sobre o futuro. São histórias belíssimas, a escritora mineira consegue passear por diversos ambientes, expondo de forma leve as mais diversas situações da vida cotidiana.
Getty Images/Reprodução |
Maria da Conceição Evaristo de Brito, nasceu em Belo Horizonte – MG, no ano de 1946 (73 anos). De origem humilde, migrou para o Rio de Janeiro na década de 1970. É Graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, atuou também como professora da rede pública de ensino. Tornou-se Mestre em Literatura Brasileira pela PUC do Rio de Janeiro, e Doutora em Literatura comparada pela Universidade Federal Fluminense, com as teses, Literatura Negra: Uma poética de nossa Afro-brasilidade e Poemas malungos, cânticos irmãos respectivamente. Começou a escrever jovem, porém só começou a publicar seus textos aos 44 anos quando teve contato com Grupo Quilombhoje. Hoje possui várias produções publicadas, dentre elas destacamos Becos da memória (2006), Poemas da recordação e outros movimentos (2008) e Ponciá Vicêncio (2003) sua obra mais conhecida, todas elas abordam temas como, a condição social da população afro-brasileira, racismo, questão de gênero entre outros.
No livro "Olhos D'água" a maneira como a Conceição Evaristo vai conduzindo as narrativas, apelando diversas vezes para acontecimentos emocionais, desenha as histórias em nossa imaginação, combinando memória afetiva e o sentimento de pertencimento, fazendo toda a diferença na hora da leitura. Ela consegue criar um ambiente pessoal, por meio do resgate das nossas memórias. A isso a autora denomina “Escrevivência”, escrita que parte do cotidiano, das memórias ou das nossas experiências de vida, marca essa que pode ser observada em todas as obras da escritora mineira.
Partindo dessa premissa, escolhemos para análise o conto que também dá título ao livro, acreditamos que cada leitor vivenciará experiências muito diferentes em cada texto dessa obra. A nossa análise tem início pela capa do livro. Nela, temos o resumo do que é narrado pela autora no conto em questão. A imagem de um olhar profundo, e ao mesmo tempo misterioso e repleto de significados que abrem margem para variadas interpretações. Embora estejamos falando de um conto especifico, as diversas reflexões que o olhar provoca, propositalmente escolhido para capa do livro, dentro dos seus mistérios, pode ser o olhar de cada personagem que aqui se apresenta.
"Uma noite, há anos, acordei bruscamente e uma estranha pergunta explodiu da minha boca. De que cor eram os olhos da minha mãe?" (p. 15). Assim tem início o texto, o questionamento serve como apoio para o desenrolar das lembranças que aludem o passado da autora. A cada repetição dessa pergunta, novas colocações vão emergindo, aspectos físicos da sua mãe, infância humilde, a escassez de alimento, as brincadeiras que a mãe inventava para “distrair a fome”.
...A mãe só ria de uma maneira triste e com um sorriso molhado... Mas de que cor eram os olhos da minha mãe? Eu sabia, desde aquela época que a mãe inventava esse e outros jogos para distrair a nossa fome. E a nossa fome se distraía. (p. 17).
Assim ela vai construindo a sua escrita, com muita leveza, se apegando aos detalhes e transformando a sua trajetória em belíssimas passagens poéticas. Outro ponto que merece destaque é a força que a narradora exerce em todos os contos. A narrativa com foco, sem muitos desvios, imprime uma grandiosidade à obra, nesse caso, narradora em primeira pessoa, contribui para uma construção identitária, reafirmando a sua posição como militante do movimento e divulgadora da cultura negra.
Continuando a sua busca em desvendar o mistério “da cor dos olhos da sua mãe”, ela volta para a sua cidade natal, Belo Horizonte, para reencontrar a sua mãe, esse momento torna-se o ápice desse conto e a Conceição Evaristo nos brinda com uma das melhores passagens escritas no livro:
E quando, após longos dias de viagem para chegar à minha terra. Pude contemplar extasiada os olhos de minha mãe, sabem o que vi? Sabem o que vi?
Vi só lágrimas e lágrimas. Entretanto, ela sorria feliz. Mas eram tantas lágrimas, que eu me perguntei se minha mãe tinha olhos ou rios caudalosos sobre a face. E só então compreendi. Minha mãe trazia, serenamente em si, águas correntezas. Por isso, prantos e prantos a enfeitar o seu rosto. A cor dos olhos de minha mãe era cor de olhos d’água. Águas de mamãe Oxum! Rios calmos, mas profundos e enganosos para quem contempla a vida apenas pela superfície. Sim, águas de Mamãe Oxum. (p. 19).
A descrição desse encontro, corrobora todas as características que foram citadas no decorrer do texto, acrescentando mais um ponto que deve ser observado tanto nessa, como em outras produções da autora, a religiosidade, que aqui aparece em forma de Oxum, orixá, rainha da água doce, dona dos rios e cachoeiras, cultuada nas religiões de matizes africanas, evidenciado mais uma vez a sua escolha pela temática e a valorização da cultura negra em nosso país.
Por fim, quero salientar que Conceição Evaristo é uma autora que merece destaque dentro do cenário literário por diversas razões; primeiro pela força e profundidade da sua poética; segundo pelos temas abordados em seus textos; e terceiro, pela importância do debate que é feita nos seus textos, dando voz a uma população que sempre foi marginalizada. Dessa forma, “Olhos D’água” é um livro muito interessante, ao qual eu indico, e acrescento que mesmo tendo uma escrita leve e enxuta, os temas abordados nele, exigem uma atenção diferenciada, sendo necessário “digerir” cada história antes de avançarmos aos contos seguintes, proporcionando uma experiência intima e muito pessoal que vai variar de leitor para leitor.
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