[Resenha] Recordações do escrivão Isaías Caminha - Lima Barreto
Resenha para começar bem o ano. Lima Barreto é um dos grandes autores negros do Brasil. Sua vasta obra compreende desde contos curtos até romances que abordam a crítica e o interesse por temas sociais, mostrando sempre grande preocupação em denunciar as injustiças sociais, principalmente o racismo, o preconceito e a situação da população mais vulnerável. “Recordações do escrivão Isaías Caminha” é o terceiro livro do autor que eu leio e a cada mergulho em suas obras, me apaixono mais pela sua escrita. Vamos à resenha!
Recordações do escrivão Isaías Caminha” foi o primeiro livro publicado do autor é datado de 1909 e mesmo 100 anos após a sua publicação, ele continua sendo atual. Na obra, Lima Barreto segue firme a sua linha livro-denúncia, retratando as angústias e sofrimentos de Isaías Caminha em busca da ascensão social. No romance, nota-se grande semelhança entre Isaías e o próprio escritor, nos levando a crer em um livro “autobiográfico”, pois, como já comentei em outras postagens sobre Lima Barreto, o mesmo, em vida sofreu com o racismo por causa da sua cor, só sendo reconhecido como escritor anos depois da sua morte.
Chamou-me a atenção a forma como Lima Barreto conduziu a obra. Utilizando uma linguagem coloquial, o texto se transforma em uma conversa com o leitor, abordando de uma maneira objetiva, como as redações de jornal funcionavam naquela época. Tendo como principal mote o racismo e as auguras das pessoas mais pobres, ele utiliza a redação do jornal como espelho social, delineando por meio dessa, a face da sociedade brasileira do início do século passado.
Com um tom irônico e sarcástico, ele traça um paralelo da sociedade que vivia – vive – de aparências e títulos, demonstrando a sua preocupação em expor a mediocridade desse meio. O racismo, que sempre foi estrutural, é a essência dessa obra, visível nos métodos de seleção para jornalistas encontrados pelos donos dos jornais, contratando pessoas fúteis, sempre por prestígio e/ou indicação de pessoas importantes, formando pessoas pouco comprometidas ou sérias suficientes para desenvolver tal função.
A busca incessante do protagonista, mesmo adiada ou abandonada, para ingressar na faculdade, revela a necessidade do título para que esse fosse “aceito”, já que a sua cor e condição social não conseguiam fazer isso, principalmente nos espaços dominados por pessoas brancas, na minha visão isso, é um marcador importante que revela a forma perversa que o racismo e o preconceito agiam – agem – naquela época.
Outra coisa que merece ser citada, é o jeito como ele descreve o jornal e o potencial positivo e negativo que ele tinha – tem –, podendo impulsionar ou destruir a carreira de alguém de um momento para o outro. Narra também o jogo de interesse que havia por trás do seu funcionamento e a maneira como a mídia agia, se valendo em diversas vezes de fake news ao publicar uma matéria, ou sem checar detalhadamente uma notícia antes da publicação dos seus periódicos, visando apenas obter lucros, sem se preocupar com um noticiário de qualidade. Isso me soou tão atual.
Finalizando a nossa pequena análise que é só a ponta do iceberg dessa obra, considero Lima Barreto um escritor muito atual e que merece um destaque maior na literatura e nos espaços de criação de conteúdo. “Recordações do escrivão Isaías Caminha” revela a face de uma sociedade racista, preconceituosa que se esconde atrás de “cidadãos de bem” para continuar praticando os joguinhos de interesse que só beneficiam a si mesmos. Leitura mais que necessária, além de muito bem escrita, serve para criar um panorama histórico da sociedade brasileira, contribuindo para o estudo dos seus comportamentos e como eles foram crescendo ao longo dos anos.
Espero que vocês tenham gostado da dica. Até mais queridxs e boas leituras sempre.
Comentários
Postar um comentário