[Resenha] Carolina: Uma biografia – Tom Farias
Capa do Livro - Editora Malê |
Como o próprio título já nos diz, trata-se da biografia da escritora Carolina Maria de Jesus. Carolina foi uma escritora negra que fez muito sucesso nos anos de 1960 e 1961 quando lançou ao mundo o seu livro de maior sucesso “Quarto de despejo: diário de uma favelada” (veja a resenha sobre o livro aqui). Porém, o que pouco sabemos ou conhecemos, é o caminho que ela trilhou até conseguir lançar o seu primeiro livro e quais consequências o sucesso avassalador trouxe para a sua vida. Então, vamos aos fatos. O livro é dividido em três partes, cada uma delas retratando fases diferentes da vida da escritora.
Na primeira parte Tom Farias nos apresenta Bitita, apelido como era chamada quando pequena pelos seus. Utilizando como base para tal, principalmente a obra “Diário de Bitita” (resenha sobre o livro aqui), publicação póstuma da escritora. Esse excerto, nos mostra o início da vida da autora na cidade de Sacramento, interior de Minas Gerais. Ela nasce em 14 de março de 1914, período pós escravocrata, fato que deixou marcas muito negativas, particularmente para a população negra, obrigando-os a viver em condições precárias e de subsistência, nesse contexto histórico conturbado nasce Carolina.
Retrata também a fundação histórica da cidade de Sacramento, apontando os possíveis motivos que fizeram a família da escritora se instalar ali. Seguindo, ele vai nos apresentando o meio social da cidade, a família de Carolina e a sua convivência, pautado nos escritos deixados pela mesma.
Como já citado, essa parte está pautada no livro “Diário de Bitita”, assim, o biógrafo vai fazendo uma reconstituição dos fatos narrados do texto já mencionado, organizando algumas informações dadas por Carolina, como por exemplo, a data da morte do seu avô que aparece equivocada na obra. Aqui conhecemos um pouco mais sobre Cota, a mãe de Carolina que por diversas vezes se sacrificou para evitar o sofrimento maior da sua filha. Ademais, ele fala sobre a vida dura levada pela escritora, fatos esses que irão refletir na sua poesia mais adiante, narrando as desilusões, as injustiças, as incertezas e todo o sofrimento vivido antes de ir parar na grande cidade de São Paulo.
“Esses altos e baixos, todos esses percalços vividos, dentro estrita verdade, foram ruins do ponto de vista de penúria vivida por Carolina e sua mãe, mas também deu-lhe boa consciência da questões sociais envolvendo as leis e o mundo do trabalho, a exploração do homem pelo homem, questões políticas e ideológicas, e o valor do relacionamento humano”. (p. 104).
Já na segunda parte, ele a inicia fechando o ciclo da vida de Carolina em Sacramento, sendo obrigada a abandonar o seio da sua família, vítima do preconceito e da ignorância da sociedade, e ir para o mundo. Assim ela ganha a estrada, passando por várias cidades interioranas até desembarcar na capital paulista. Decidida a se tornar uma escritora famosa e consciente da força da sua poesia, ela começa a sua peregrinação pelos vários jornais da época em busca de apoio para a publicação de seus escritos. Com isso ela conhece muita gente envolvida no meio jornalístico e editorial, mas não obtém sucesso na sua busca. A sua situação financeira também não melhora, fadada a viver na pobreza, resolve que é hora de alçar outros voos e vai morar no Rio de Janeiro, fato esse desconhecido inclusive da família pelos poucos relatos da passagem dela pela cidade carioca (Tom Farias descobre uma entrevista dela em um dos jornais da época do Rio de Janeiro o que embasa a sua afirmação). Chegando lá, ela continua visitando jornais e consegue dar algumas entrevistas e publicar alguns poemas. Na entrevista concedida ao jornal “A noite”, exposta por Tom Farias, temos uma Carolina muito descontraída, falando principalmente da sua relação com a poesia e sobre como é trabalhar como empregada doméstica, tendo em vista que ela não era boa em tal função, ela diz:
... Arranjei outro emprego, mas eu esquecia tudo para fazer um verso que me vinha à cabeça e acaba outra vez sendo demitida! Por isso eu disse ao senhor que a poesia é a minha desgraça. Por causa dela eu ando ao léu, pensando e rimando versos. (p.116 e 117).
Não conseguindo grande êxitos no rio de Janeiro, retorna à São Paulo, onde a sua condição social começa a apertar novamente. Sem emprego fixo para se manter é despejada, já com o seu primeiro filho, acaba sendo obrigada a residir na favela do Canindé. É de lá que vem a inspiração para “Quarto de despejo”. Já no Canindé, Carolina tem mais dois filhos e se torna catadora de papel. Amante dos livros como sempre foi, encontra no lixo os cadernos para escrever o diário que lhe tornaria famosa. Ainda na favela e por acaso, conhece o repórter Audálio Dantas, esse responsável por editar e publicar a principal obra da escritora. Audálio que vai ao Canindé com intuito de averiguar uma denúncia, conhece uma mulher preta, que ameaça colocar o nome dos seus vizinhos em seu diário, curioso e intrigado com aquela figura, resolve saber um pouco mais sobre ela e desse contato nasce a primeira publicação em livro de Carolina.
Sempre com seus largos voos em perspectiva, trilhando o árduo caminho da sua trajetória pessoal, em meio a incompreensão e ao desafeto geral, a falta de recursos e estruturas, até se transformar na “estonteante revelação literária”, segundos fontes jornalísticas, Carolina Maria irá do céu ao inferno, beijará a cara pálida da morte e a mão sagrada de Deus. (p. 138).
Por fim chegamos a terceira parte, aqui o autor apresenta as glórias por ela ter conseguido se tornar escritora, sonho que buscou durante toda a vida, e o circo midiático que a sua vida se tornou em decorrência da realização do seu sonho. Finalizando com a sua morte no ano de 1977.
Carolina, como mulher negra e favelada e agora escritora, se tornou, ao mesmo tempo, um produto “vendável” do jornalismo noticioso e sensacionalista, que tinha nela a garantia de audiência certa, como objeto de consumo e curiosidade, mas também como uma peça publicitária da própria Livraria Francisco Alves, que nesse particular, percebeu mais a fundo (mais do que Audálio Dantas) que ela poderia proporcionar, como elemento estranho, provocando a curiosidade pública e também a comiseração por sua história de vida. (p. 217).
O que mais me encantou nesse livro foi o trabalho de pesquisa realizado pelo autor, ele buscou minunciosamente detalhes sobre a vida da Carolina Maria de Jesus, perpassando por toda a trajetória da escritora, apresentando ao leitor um livro incrível e muito fácil de ler. As referências utilizadas por ele são sensacionais, entrevistas em jornais da época, levantamento sobre as várias moradias, os amores que ocasionaram os seus três filhos e fotos em um trabalho muito cuidadoso, dividida em capítulos curtos e muito bem escritos. Falando sobre a linguagem utilizada no livro, essa é feita de forma simples, porém muito precisa, dando ao livro uma fluidez e tranquilidade na leitura de suas 352 páginas.
Outra coisa que serve como ponto positivo é a utilização das obras da autora para recriar a sua vida, os livros publicados por Carolina ainda são desconhecidos do grande público, restringindo-a ao seu best Seller “Quarto de despejo”. Utilizando os vários textos da homenageada, inclusive alguns inéditos, ajuda na divulgação das suas publicações, instigando à curiosidade dos interessados em conhecer um pouco mais sobre essa mulher incrível e escritora improvável que venceu várias barreiras em busca do seu sonho.
Finalizando, é um livro maravilhoso e que vale muito a pena a leitura, muito indicado principalmente por aqueles que querem conhecer um pouco mais a respeito da Carolina Maria de Jesus, suas mazelas e os estreitos que precisou percorrer para se tornar a grande escritora aclamada hoje. Carolina deu voz à população pobre e preta sendo bem aceita e celebrada pelos movimentos negros da época. Dito isso, conhecer autores que sempre foram colocados a margem se faz de extrema importância, principalmente na nossa busca incessante pelo reconhecimento e valorização dos nossos escritores negros e da nossa Literatura Negra, sendo ela Carolina, um dos grandes expoentes desse movimento.
Nota do autor:
Muito me surpreendeu conhecer o universo de Carolina Maria de Jesus, não apenas como a celebrada... mas por desvendar-lhe a força criadora e criativa de uma mulher determinada a viver pelo seu ideal de vida, mas que o mundo da indústria da escrita consumiu como “fruto estranho” que ela se tornou, como chegou a dizer o repórter Audálio Dantas, que a conheceu na favela do Canindé. (Tom Farias).
Sobre o autor
Foto: Joana Berwanger/Sul21 |
Tom Farias, carioca, jornalista, escritor, crítico literário, biógrafo, dramaturgo e roteirista. Autor de 12 livros entre eles “Cruz e Sousa: Dante negro do Brasil”, e “José do Patrocínio: a imorredoura cor do bronze”. Ganhador de diversos prêmios, constam prêmio Jabuti (2009), prêmio Silvio Romero da Academia Brasileira de Letras dentre outros.
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