[Resenha] O genocídio do negro brasileiro: processo de um realismo mascarado – Abdias Nascimento


O trabalho de pesquisa aqui presente, foi escrito por Abdias Nascimento, a pedido do professor Zio Zirimu e deveria ser apresentado no Festival Mundial de Artes e Culturas Negras e Africanas na cidade de Lagos - Nigéria, no ano de 1977. Além do autor, a obra conta com textos complementares de Florestan Fernandes, Wole Soyinka e Elisa Larkin Nascimento.

Aqui, Abdias Nascimento explica ao leitor o boicote que o seu trabalho sofreu pelo evento já citado, apontando possíveis motivos para tal boicote, pois, segundo o autor, o texto estava dentro de todas regras predeterminadas pelo evento. Ele acredita que por apresentar uma denúncia às injustiças sofridas pela população negra no Brasil, assim como, o silêncio e o apagamento da cultura africana e afro-brasileira em território nacional, a recusa do seu trabalho, deve-se a questões puramente políticas, pois como já citado, a sua pesquisa se encaixava nas regras de publicações propostas, não havendo assim um motivo plausível para a não aceitação do seu trabalho no evento.

Além disso, há no livro diversas situações relevantes, que servirão como entendimento para a situação da população negra no Brasil, não é objetivo nosso fazer uma análise detalhada sobre ele, por isso, vamos expor apontamentos que se fazem importantes para o entendimento dessa pesquisa.

Um fato muito curioso é, o autor abrir o livro com as definições da palavra “genocídio”. Esse termo vai perpassar o texto inteiro, sempre rodeado de fortes argumentos, o que vai justificar a escolha por essa palavra como título do livro. Acredito também que a repetição da palavra “genocídio”, pelo sentido categórico e incomodo que ela possui, isso pode gerar no leitor um grande desconforto, forçando-o a pensar nos vários contextos a que ela se encaixa.

Entendendo um pouco sobre o autor, intelectual brasileiro, militante das causas negras, debatendo sempre sobre a importância, reconhecimento e contribuição do povo negro para Brasil, conseguiremos talvez entender os motivos da recusa por seu trabalho para o evento. O livro é uma denúncia nua e crua, que detalha como a população negra vivia (vive) desde a abolição da escravatura no Brasil. A pesquisa foi escrita na década de 1970, mais especificamente no ano de 1976, lembrando que foi escrito para submissão e apresentação no FESTAC, na Nigéria, que aconteceu em 1977, mesmo datado dessa época, o texto ainda se faz muito atual, revelando que mesmo após 40 anos da sua escrita, o racismo ainda se faz presente em nossa sociedade, em vários momentos aparece de forma velada, mas que revela a face mais perversa da sociedade brasileira. 

No decorrer do texto, por meio dos seus argumentos, o autor revela a farsa da “democracia racial” brasileira tão amplamente divulgada em outros países. As várias estratégias utilizadas para o apagamento do negro na sociedade brasileira. A Exploração da mão de obra negra. As dificuldades encontradas por essa população para manter a sua cultura viva. E o principal, o Racismo presente em todas as estruturas sociais. 

Outra coisa importante que merece ser citada, é a coragem do Abdias Nascimento, ao escrever um texto-denúncia, no período da ditadura militar no Brasil, questionando e citando publicamente militares da alta patente e autores brancos renomados da época, que segundo eles “davam” voz ao negro, apresentando pesquisas que apenas reforçavam os estereótipos já existentes no meio social do povo negro, ou se utilizava de conceitos racistas do início do século para justificar os seus trabalhos, negando à população negra a ascensão social, contribuindo ainda para diminuição da cultura africana e afro-brasileira.

Por fim, é um livro interessantíssimo e esclarecedor, e como trabalho de pesquisa traz uma contribuição imensa, principalmente para entendimento da condição da população afro-brasileira na metade do século XX. No mais, serve como denúncia e ao contemplar o seu conteúdo, compreendemos o motivo pelo veto recebido para FESTAC de 1977. Em linhas gerais é um excelente texto, traz muitas referências, possui uma linguagem acadêmica, contendo algumas palavras que hoje não são usadas com recorrência, por isso, sugiro lê-lo com um dicionário ao lado para melhor entendimento de tudo que é posto pelo autor. É um excelente estudo, traçando um panorama da sociedade brasileira, e mesmo tendo sido escrito em 1976, o assunto ainda se faz muito presente na atual sociedade brasileira.

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