[Resenha] Antologia Pessoal - Maria Teresa Horta

Foto retirada do Blog Escritas.org
Ancorado em: https://www.escritas.org/pt/maria-teresa-horta

Maria Teresa Horta (81 anos) é uma poetisa portuguesa, nasceu em Lisboa em 20 de maio de 1937. Publicou diversos textos em jornais e faz a sua estreia como escritora no ano de 1961 com o livro “Espelho inicial”. A sua poesia carregada de erotismo sempre transgressora, demonstra a sua luta pelos direitos das mulheres. Em 1971 lança, juntamente com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da costa, o livro “Novas Cartas Portuguesas” tendo o seu conteúdo censurado por ser considerado “desrespeitador” pois ia de encontro com aos valores éticos e morais da sociedade tradicional da época, isso lhe rendeu um processo judicial e um tempo de censura. Algumas polêmicas colecionadas pelos textos da poetisa influenciaram positivamente a sua carreira, e outras vezes nem tanto. Lançou vários livros contendo seus poemas e se arriscou também na escrita ficcional.

Capa do livro - Editora 7Letras
Nesse livro, sua “Antologia Pessoal”, reúne cem dos seus maiores poemas já publicados e mais vinte e dois inéditos. Nele temos a dimensão do poder da sua poesia. Recheado de erotismo, ela perpassa por temas como, empoderamento, desejos e liberdade sexual feminina. Por falar abertamente sobre questões relacionadas à mulher influenciou as bases do Movimento Feminista atual. Maria Teresa Horta é sem sombras de dúvida uma das figuras mais importantes para a poesia erótica lusitana.

A linguagem figurativa, rica principalmente em metáforas, favorece na potencialização das palavras, abrindo margem para as mais diversas interpretações. Os seus textos são escritos de forma minuciosa, cada expressão é escolhida com muita precisão. Dessa forma, os poemas da escritora, ao serem lidos, precisam ser saboreados, se permitindo sentir o gosto de cada sentença colocada em palavras por ela. Não é um livro para ler em uma tarde.


Abaixo eu listei dez poemas, considerados por mim, os melhores que compõem a obra em questão:

INVOCAÇÃO AO AMOR

Pedir-te a sensação
a água
o travo

aquele odor antigo
de uma parede
branca

Pedir-te da vertigem
a certeza
que tens nos olhos quando
me desejas

Pedir-te sobre a mão
a boca inchada
um rastro de saliva
na garganta

Pedir-te que me dispas
e me direis
de borco nos meus seios
na tua cara

Pedir-te que me olhes e me aceites
me percorras
me invadas
me pressintas

Pedir-te que me peças
que te queira
nos separar das horas
sobre a língua

Meu ciúme
meu perfil
minha fome

meu sossego
minha paz
minha aventura

Meu sabor
minha avidez
saciedade

minha noite
minha angústia
meu costume

(In: Antologia Pessoal p.31 e 32)



OS TEUS OLHOS

Direi verde
do verde dos teus olhos

de um rugoso mais verde
e mais sedento

Daquele não só íntimo
ou só verde
daquele mais macio     mais ave
ou vento

Direi vácuo
                Volume
Direi vidro

Direi dos olhos verdes
os teus olhos
e do verde dos teus olhos direi vício

Voragem mais veloz
mais verde
                ou vinco
voragem mais crespada
ou precipício



(In: Antologia Pessoal p.50)



CANDELABRO

Temos em nós a luz
de um candelabro

dos quatro braços
de um candelabro aceso

o ciúme
o amor
a crueldade

e do vício a felicidade
mais ardente

É mais secreta
mais íntima e sedenta
talvez seja dourada em talha
rente
a luz mais pisada e mais discreta
de um candelabro
pousado numa mesa

Como a flor
exacta tem a pétala

e como as sombras
dançando nas paredes
à luz de muitas velas
as quatro velas

o ciúme
o amor
a crueldade

e a felicidade mais longa
do que aquela

Mas se com espanto tão perto
do sorriso
transporto já nas mãos
o candelabro aceso

Inclino-me
ilumino
e equilibro

nos nossos corpos
as luzes destas velas

(In: Antologia Pessoal p.53 e 54)



SEGREDO

Não te contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche o
o anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

(In: Antologia Pessoal p.83)



POEMA AO DESEJO

Empurra a tua espada
no meu ventre
enterra-a devagar até o cimo

que eu sinta de ti a queimadura
e a tua mordedura nos meus rins

deixa depois que a tua boca
desça
e me contornes as pernas de doçura

Ó meu amor a tua língua
prende
aquilo que desprende de loucura

(In: Antologia Pessoal p.84)



PACTO

Temos um pacto com aquilo que                    voa

- as aves
      da poesia

- os anjos
           do sexo

- o orgasmo
             dos sonhos

Não há nada
que a nossa voz não abra

Nós somos as bruxas
da palavra


(In:  "Os anjos" 1983 [Antologia Pessoal p.115])



A MÃO SOBRE O REGAÇO

Beijo, seguro
e devagar tropeço

Trespasso as emoções
e te devolvo o espaço

O laço e o lençol
onde me deito
e faço

do tempo o amo
a mão sobre o regaço

(In: Antologia Pessoal p.153)




DELÍRIO

É o meu mel
que eu cheiro na tua boca

É no teu pénis
que eu bebo a sede toda

Nos meus lábios abertos
que me vencem
eu nado devagar sem ter vergonha

É a lagoa - eu digo
de veludo

É o grito - eu sei
na raiva solta

É a proa do prazer
sobre o lençol
onde mais tarde vai rebentar a onda

Secreto é o ruído
dos corpos
no combate

Os elmos já despostos pelo chão
caídas as viseiras e as máscaras
o vestido misturado à armação

São fulvos os cavalos
com as patas cor do pó
tropeçando na paz adormecida

Eu levo a bandeira
do orgasmo
E "para tão grande amor é curta a vida"


(In: Antologia Pessoal p.161 e 162)



INCÊNDIO

Tu acendes a chama
do meu corpo
pões a lenha ao fundo
em sítio seco

Procuras no desejo
o ponto certo
e convocas aí
o lume aberto

Se a madeira demora
a ganhar fogo
tomas-me as pernas
e deitas o lento vinho

Riscas os fósforos todos
e depois
é mais um incêndio
que advinho


(In: Antologia Pessoal p.163)



Dispo

Cerco e troco
escrevo e ponho

Levanto a saia e o subido
mostra a bainha do corpo
descubro o nu, no vestido

Perpasso as mãos
nas penumbras
desacato o que é restrito

Disponho do proibido
permito    dispo
desdigo

Caminho pelo prazer
por onde afirmo e prossigo

(In: Antologia Pessoal p.178)

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