[Indicação] Poesias Completas de Cecília Meireles - Volume II
Cecília Meireles - Foto retirada da Internet |
Cecília Benevides de Carvalho Meireles, nasceu em 7 de novembro de 1901, Rio de Janeiro. Cecília Meireles, como ficou conhecida, foi professora, jornalista, pintora e considerada uma das poetisas mais importantes do Brasil.
Seu primeiro livro “Espectros” foi publicado em 1919, quando tinha 19 anos, a partir daí não parou mais de publicar livros. Ganhou destaque na segunda fase do Modernismo Brasileiro, embora, a sua poesia esteja repleta de influências de estilos literários anteriores, como o Romantismo, Parnasianismo, Simbolismo, utilizava também técnicas tradicionais e formas fixas na composição da sua escrita, como o soneto, por exemplo.
Sua poética expressa, principalmente, as suas emoções, por isso, é muito comum encontrar em seus textos temas como a morte, amor, eterno, tempo passageiro, sonho, realidade, fantasia. Esses temas conferem à sua obra um caráter intimista, revelando o quanto a sua vida pessoal influenciava na sua escrita. Cecília Meireles, que foi professora de primário durante um tempo, também escreveu obras voltadas para o público infantil, e em 1934, fundou a primeira Biblioteca Infantil do Brasil na cidade do Rio de Janeiro.
Além de “Espectros” (1919), escreveu diversas obras, dentre as quais destacamos “Criança, meu amor” (1923), “Mar Absoluto” (1945), “Retrato natural” (1949), “Romanceiro da Inconfidência” (1953), “Ou Isto ou Aquilo” (1964). Em reconhecimento à sua obra, acumulou alguns prêmios, como o “Prêmio Machado de Assis” em 1965. Em 9 de novembro de 1964, com 63 anos, Cecília Meireles falece, em decorrência de câncer, deixando como herança, uma vasta obra literária que ainda hoje é lida e estudada.
Capa do livro - Publicação Civilização Brasileira; Parceria INL/MEC |
Publicado em 1945, “Mar absoluto e outros poemas” é um livro de poemas, nele Cecília Meireles registra um pouco sobre os seus antepassados portugueses, esse, tornou-se um dos principais livros da escritora. “Mar absoluto” aqui pode ser entendido como algo sem limites, infinito, assim, essa obra revela um pouco do misticismo em uma lírica bem escrita e serena, característica sempre presentes em suas obras.
Publicado em 1949, “Retrato Natural” apresenta um tom confessional, com o qual, Cecília Meireles nos leva a uma viagem sobre os sentimentos humanos, retratando os seus desejos mais íntimos, coisas que talvez não consigamos perceber em nosso dia a dia. Com uma escrita enérgica, a autora consegue transformar os sentimentos em palavras, potencializando o significado de cada poema, nos revelando como essas emoções podem ser duradouras, permanecendo anos a fio em nossas vidas.
Abaixo, selecionei dez poemas considerados (por mim) os melhores contidos nessas obras. Vem conferir!
Abaixo, selecionei dez poemas considerados (por mim) os melhores contidos nessas obras. Vem conferir!
Este é o lenço de Marília,
pelas suas mãos lavrado,
nem a ouro nem a prata,
somente a ponto cruzado.
Este é o lenço de Marília
para o Amado.
Em cada ponta, um raminho,
preso num laço encarnado;
no meio, um cesto de flores,
por dois pombos transportado.
Não flores de amor-perfeito,
mas de malogrado!
Este é o lenço de Marília:
bem vereis que está manchado:
será do tempo perdido?
será do tempo passado?
Pela ferrugem das horas?
ou por molhado
em águas de algum arroio
singularmente salgado?
Finos azuis e vermelhos
do largo lenço quadrado,
- quem pintou nuvens tão negras
neste pano delicado,
sem dó de flores e de asas
nem do seu recado?
Este é o lenço de Marília,
por vento de amor mandado.
Para viver de suspiros
foi pela sorte fadado:
breves suspiros de amante,
- longos, de degredado!
Este é o lenço de Marília
nele vereis retratado
o destino dos amores
por um lenço atravessado:
que o lenço para os adeuses
e o pranto foi inventado.
Olhai os ramos de flores
de cada lado!
E os tristes pombos, no meio,
com o seu cestinho parado
sobre o tempo, sobre as nuvens
do mau fado!
Onde está Marília, a bela?
E Dirceu, com a lira e o gado?
nem a ouro nem a prata,
somente a ponto cruzado.
Este é o lenço de Marília
para o Amado.
Em cada ponta, um raminho,
preso num laço encarnado;
no meio, um cesto de flores,
por dois pombos transportado.
Não flores de amor-perfeito,
mas de malogrado!
Este é o lenço de Marília:
bem vereis que está manchado:
será do tempo perdido?
será do tempo passado?
Pela ferrugem das horas?
ou por molhado
em águas de algum arroio
singularmente salgado?
Finos azuis e vermelhos
do largo lenço quadrado,
- quem pintou nuvens tão negras
neste pano delicado,
sem dó de flores e de asas
nem do seu recado?
Este é o lenço de Marília,
por vento de amor mandado.
Para viver de suspiros
foi pela sorte fadado:
breves suspiros de amante,
- longos, de degredado!
Este é o lenço de Marília
nele vereis retratado
o destino dos amores
por um lenço atravessado:
que o lenço para os adeuses
e o pranto foi inventado.
Olhai os ramos de flores
de cada lado!
E os tristes pombos, no meio,
com o seu cestinho parado
sobre o tempo, sobre as nuvens
do mau fado!
Onde está Marília, a bela?
E Dirceu, com a lira e o gado?
As altas montanhas duras,
letra a letra, têm contado
sua história aos ternos rios,
que em ouro a têm soletrado...
E as fontes de longe miram
as janelas do sobrado.
Este é o lenço de Marília
para o Amado.
Eis o que resta dos sonhos:
um lenço deixado.
Pombos e flores, presentes.
Mas o resto, arrebatado.
Caiu a folha das árvores,
muita chuva tem gastado
pedras onde houvera lágrimas.
Tudo está mudado.
Este é o lenço de Marília
como foi bordado.
Só nuvens, só muitas nuvens
vêm pousando, têm pousado
entre os desenhos tão finos
de azul e encarnado.
Conta já século e meio
de guardado.
Que amores como este lenço
têm durado,
se este mesmo está durando
mais que o amor representado?
letra a letra, têm contado
sua história aos ternos rios,
que em ouro a têm soletrado...
E as fontes de longe miram
as janelas do sobrado.
Este é o lenço de Marília
para o Amado.
Eis o que resta dos sonhos:
um lenço deixado.
Pombos e flores, presentes.
Mas o resto, arrebatado.
Caiu a folha das árvores,
muita chuva tem gastado
pedras onde houvera lágrimas.
Tudo está mudado.
Este é o lenço de Marília
como foi bordado.
Só nuvens, só muitas nuvens
vêm pousando, têm pousado
entre os desenhos tão finos
de azul e encarnado.
Conta já século e meio
de guardado.
Que amores como este lenço
têm durado,
se este mesmo está durando
mais que o amor representado?
(Mar Absoluto, p. 23 - 25).
2° MOTIVO DA ROSA
À Mario de Andrade
À Mario de Andrade
Por mais que te celebre, não me escutas,
embora em forma e nácar te assemelhes
à concha soante, à musical orelha
que grava o mar nas íntimas volutas.
Deponho-te em cristal, defronte a espelhos,
sem eco de cisternas ou de grutas…
Ausências e cegueiras absolutas
ofereces às vespas e às abelhas,
e a quem te adora, ó surda e silenciosa,
e cega e bela e interminável rosa,
que em tempo e aroma e verso te transmutas!
Sem terra nem estrelas brilhas, presa
a meu sonho, insensível à beleza
que és e não sabes, porque não me escutas…
e cega e bela e interminável rosa,
que em tempo e aroma e verso te transmutas!
Sem terra nem estrelas brilhas, presa
a meu sonho, insensível à beleza
que és e não sabes, porque não me escutas…
(Mar Absoluto, p. 33).
DESAPEGO
A vida vai depressa e devagar.
Mas a todo momento
penso que vai acabar.
Porque o bem da vida seria ter
mesmo no sofrimento
gosto de prazer.
Já nem tenho vontade de falar
senão com árvores, vento,
estrelas, e águas do mar.
E isso pela certeza de saber
que nem ouvem meu lamento
nem podem responder.
Mas a todo momento
penso que vai acabar.
Porque o bem da vida seria ter
mesmo no sofrimento
gosto de prazer.
Já nem tenho vontade de falar
senão com árvores, vento,
estrelas, e águas do mar.
E isso pela certeza de saber
que nem ouvem meu lamento
nem podem responder.
(Mar Absoluto, p.41).
INIBIÇÃO
Vou cantar uma cantiga,
vou cantar – e me detenho:
porque sempre alguma coisa
minha voz está prendendo.
Pergunto à secreta Música
por que falha o meu desejo,
por que a voz é proibida
ao gosto do meu intento.
E em perguntar me resigno,
me submeto e me convenço.
Será tardia, a cantiga?
Ou ainda não será tempo...
vou cantar – e me detenho:
porque sempre alguma coisa
minha voz está prendendo.
Pergunto à secreta Música
por que falha o meu desejo,
por que a voz é proibida
ao gosto do meu intento.
E em perguntar me resigno,
me submeto e me convenço.
Será tardia, a cantiga?
Ou ainda não será tempo...
(Mar Absoluto, p. 60).
INSCRIÇÃO
Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar.
Por que havemos de ser unicamente humanos,
limitados em chorar?
Não encontro caminhos
fáceis de andar.
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar.
E por isso levito.
É bom deixar
um pouco de ternura e encanto indiferente
de herança, em cada lugar.
Rastro de flor e estrela,
nuvem e mar.
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:
a sombra é que vai devagar.
estrela e mar.
Por que havemos de ser unicamente humanos,
limitados em chorar?
Não encontro caminhos
fáceis de andar.
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar.
E por isso levito.
É bom deixar
um pouco de ternura e encanto indiferente
de herança, em cada lugar.
Rastro de flor e estrela,
nuvem e mar.
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:
a sombra é que vai devagar.
(Mar Absoluto, p. 83).
TRÂNSITO
Tal qual me vês,
há séculos em mim:
números, nomes, o lugar dos mundos
e o poder do sem fim.
Inútil perguntar
por palavras que disse:
histórias vãs de circunstância,
coisas de desespero ou meiguice.
(Mísera concessão,
no trajeto que faço:
postal de viagem, endereço efêmero,
álibi para a sombra do meu passo…)
Começo mais além:
onde tudo isso acaba, e é solidão.
Onde se abraçam terra e céu, caladamente,
e nada mais precisa explicação.
há séculos em mim:
números, nomes, o lugar dos mundos
e o poder do sem fim.
Inútil perguntar
por palavras que disse:
histórias vãs de circunstância,
coisas de desespero ou meiguice.
(Mísera concessão,
no trajeto que faço:
postal de viagem, endereço efêmero,
álibi para a sombra do meu passo…)
Começo mais além:
onde tudo isso acaba, e é solidão.
Onde se abraçam terra e céu, caladamente,
e nada mais precisa explicação.
(Mar Absoluto, p. 91).
PÁSSARO
Aquilo que ontem cantava
já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.
Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.
Não foi desejo ou imprudência:
não foi nada.
E o dia toca em silêncio
a desventura causada.
Se acaso isso é desventura:
ir-se a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma tênue ferida.
já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.
Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.
Não foi desejo ou imprudência:
não foi nada.
E o dia toca em silêncio
a desventura causada.
Se acaso isso é desventura:
ir-se a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma tênue ferida.
(Retrato Natural, p. 157).
INFÂNCIA
Levaram as grades da varanda
por onde a casa se avistava.
As grades de prata.
Levaram a sombra dos limoeiros
por onde rodavam arcos de música
e formigas ruivas.
por onde a casa se avistava.
As grades de prata.
Levaram a sombra dos limoeiros
por onde rodavam arcos de música
e formigas ruivas.
Levaram a casa de telhado verde
com suas grutas de conchas
e vidraças de flores foscas.
com suas grutas de conchas
e vidraças de flores foscas.
Levaram a dama e o seu velho piano
que tocava, tocava, tocava
a pálida sonata.
Levaram as pálpebras dos antigos sonhos,
deixaram somente a memória
e as lágrimas de agora.
que tocava, tocava, tocava
a pálida sonata.
Levaram as pálpebras dos antigos sonhos,
deixaram somente a memória
e as lágrimas de agora.
(Retrato Natural, p. 165 - 166).
CANÇÃO
Não por mim, pelo teu rosto
que encontrei nas mãos do vento.
Pensas que te está beijando,
e eu sei que te vai corroendo.
que encontrei nas mãos do vento.
Pensas que te está beijando,
e eu sei que te vai corroendo.
Não por mim, pelas palavras
que o teu lábio está dizendo.
Pensas que as fico escutando
e escuto é o teu pensamento.
Não por mim, mas por ti choro
- por teu pálido momento.
Vou-te dando a vida toda,
e assim mesmo vais morrendo...
(Retrato Natural, p. 173).
A ALEGRIA
No fundo de um poço
deitei a Alegria,
dizendo-lhe: “Espera,
que volto algum dia,
com louros e rosas,
Amor e Poesia.”
deitei a Alegria,
dizendo-lhe: “Espera,
que volto algum dia,
com louros e rosas,
Amor e Poesia.”
No fundo de um poço
por que a deitaria?
Por que desprezava
sua companhia?
Pensei que no mundo
tudo padecia.
Ai, como o pensava!
E não a queria.
No fundo de um poço
deitei a Alegria.
Chegaram os tristes
por quem eu sofria.
Consigo a levaram
- e de longe o via! -
Nunca perguntaram
a quem pertencia.
por que a deitaria?
Por que desprezava
sua companhia?
Pensei que no mundo
tudo padecia.
Ai, como o pensava!
E não a queria.
No fundo de um poço
deitei a Alegria.
Chegaram os tristes
por quem eu sofria.
Consigo a levaram
- e de longe o via! -
Nunca perguntaram
a quem pertencia.
Sofrer por sofrer,
somente eu sofria.
Os outros, - apenas
querendo alegria.
À beira do poço
voltarei um dia.
Pousarei meu rosto
na água negra e fria,
em ramos serenos
de Amor e Poesia.
Direi meu segredo,
sem melancolia.
somente eu sofria.
Os outros, - apenas
querendo alegria.
À beira do poço
voltarei um dia.
Pousarei meu rosto
na água negra e fria,
em ramos serenos
de Amor e Poesia.
Direi meu segredo,
sem melancolia.
E na água profunda,
sem noite nem dia,
eu mesma serei
minha companhia.
sem noite nem dia,
eu mesma serei
minha companhia.
Eu quis outra coisa
que ninguém queria.
Nem tenho saudade
da antiga Alegria.
que ninguém queria.
Nem tenho saudade
da antiga Alegria.
(Retrato Natural, p. 206).
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